Um dia me roubaram o nome. Então eu andava pelas ruas e ninguém sabia como me chamar.
Eu ia aos lugares e as pessoas não me pronunciavam. Oh meu Deus, não quero que outra pessoa passe pelo que passei. Tive o nome roubado e não houve alguém a quem pude reclamar o nome que me foi tomado.
As pessoas me olhavam e viam outra. Uma outra que eu não conhecia. As pessoas me chamavam de mentirosa quando eu dizia que eu era eu. Eu falava que aquilo era um engano e elas riam de mim, como se eu fosse uma piada de muito mau gosto.
Eu procurava restos de espelhos pelo chão, me olhava e dizia: Calma, você ainda está aí. Tudo isso vai passar.
Então eu me pelava de medo. Medo do amor chegar e não me encontrar. Do amor não conseguir me encontrar porque só eu sabia que era eu. Só eu tinha voz para me chamar naquele pedaço de mundo. Mas até quando eu teria forças para me dizer? Até quando eu teria forças para ser eu? Até quando eu conseguiria sozinha dizer que eu não era quem achavam que eu era?
Acho que teve dia que cheguei a falar 33 vezes para 33 pessoas diferentes meu nome. Elas me paravam na rua, no mercado, na feira, nas festas. Elas corriam atrás de mim, me puxavam pelo braço e me cobravam. Diziam eu devia conhecê-las. Então eu percebi. Uma outra estava vivendo a minha vida. Estava enchendo toda a minha cidade de si. E fazia de tal forma que as pessoas se esqueciam de me lembrar.
Então eu pegava meu carro e ia para longe. Chegava em uma outra cidade, entrava no museu deserto de manhã. Olhava para o guarda e dizia. Matheus, sabe quem sou? E ele dizia meu nome.
Matheus nunca entendeu o alívio que eu sentia quando ele me pronunciava. Quando ele me salvava do mundo. As pessoas então iam entrando por aquela imensa porta centenária, me chamavam e me enchiam de um contentamento indescritível.
A minha colega de trabalho, a linda francesa de olhos verdes, ria quando eu contava que só ali, naquele museu diminuto eu era eu. Que lá fora uma legião de gente se torcia de rir quando eu me dizia. Ah, meu Deus, só o Matheus e a deusa francesa sabiam de mim. Só eles e aqueles que visitavam o lugar e me pediam uma breve explicação, sabiam de mim.
Lá fora uma outra existia no mundo. Uma outra ocupava todos os espaços. Uma outra tinha roubado meu nome.
Se eu pudesse dormiria no porão do museu, naquele espaço entulhado de antigas preciosidades, dormiria feliz ali abraçada aos escombros de peças incompletas. Mas a noite implacável me dizia, fria, que eu precisava voltar para aquele espaço no mundo cheio de pessoas que não me sabiam, mas que ousavam duvidar da minha verdade.
Eu dormia recitando meu nome como um mantra. Eu precisava sobreviver.
O tempo haveria de passar. Eu só precisava ser forte para não me deixar levar por tudo aquilo que não tinha sido criado por mim. Por tudo aquilo que tinha sido criado por outra, que não eu. Eu precisava me lembrar para sobreviver.
Eu sobrevivi.
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Atribuição da imagem: pexels.com – CC0 Public Domain
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