Correu para sentar-se à mesa. Ajeitou o vestido e se colocou em frente ao prato. Do outro lado da mesa estava o marido.
Ela respirou fundo e olhou de soslaio para o porta-retrato em cima do aparador. Lá estavam os antepassados do cônjuge. Todos sentados sorrindo em uma daquelas fotos de família em preto e branco. No centro do retrato o patriarca com grande barba parecia olhar fixo para quem o fitasse.
Ela já tinha percebido isso e não importava a posição em que estava, o homem parecia acompanhá-la com os olhos. Sabia das histórias daquele homem, tinha sido deveras ruim. Maltratou e humilhou a todos. Causou demasiada dor por onde passou. Um arrepio subiu-lhe pelas costas.
À princípio ela não tinha notado, mas agora parecia evidente que o marido guardava alguma semelhança física com o velho. Tinha os mesmos olhos caídos. Os mesmos trejeitos. E agora a mesma barba que fazia questão de alisar puxando-a insistentemente com os dedos.
Então o homem com quem se casara, de barba cortada e queixo pequeno estava desaparecendo frente aos seus olhos. A cada dia parecia que o homem do retrato dava um novo passo para fora de lá.
Durante o jantar ela falou sobre coisas triviais. Contou futilidades para fingir certo conforto. Ele não respondeu. Dizia que não precisava responder. Que ela já sabia todas as respostas. Terminou de comer e ao final sorriu-lhe com os dentes repletos de fumo. O mesmo que seu avô fumava compulsivamente.
Ela precisava fazer algo. Sabia que não podia deixar as coisas caminharem para onde estavam caminhando. Sorriu para o marido, acenando-lhe com as mãos enquanto pensava em alguma solução. Bufou de novo e voltou a olhar para o velho no retrato.
Não, ele não sairia dali. Ela não permitiria.
Ela puxou todas as gavetas em busca de uma lâmina de barbear. Sabia que o marido dormia pesado e naquela noite acabaria com aquele circo.
Esperou que ele fosse se deitar. Trancou-se no banheiro. Ficou lá tempo suficiente para que ele começasse a roncar. Saiu pisando na ponta dos pés e com a espuma de barbear em uma das mãos e a lâmina na outra raspou toda aquela barba. Raspou cautelosa para que ele não acordasse e empurrando tudo para baixo da cama, deitou de lado e dormiu serena.
No outro dia o marido acordou e num impulso instintivo foi alisar a barba, mas ela não estava lá. Ele correu para o espelho e ficou estupefato com o que viu. Ela sentou-se na cama e deu bom retorno ao homem com quem havia se casado.
– Seja bem-vindo, meu querido! Foi longo o tempo de sua ausência, contudo finalmente está de volta.
Os dois então se abraçaram demorado e, entre um suspiro e outro, ela riu do velho que achou que seria mais forte que ela.
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Atribuição da imagem: pexels.com – CC0 Public Domain
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